domingo, 11 de setembro de 2011

A transcrição de exames


Para reflexão de todos, médicos e pacientes, apresento, devidamente autorizado, um texto de António Alvim sobre a transcrição de exames complementares de diagnóstico. Um tema "quente" na actual agenda mediática...


A transcrição de exames
1. Não faz qualquer sentido caber aos Médicos de Família a transcrição de exames para que estes sejam comparticipados pelo SNS. Os Médicos de Família são médicos especialistas como os outros com competências e deveres próprios. No âmbito da sua atividade no SNS, têm a faculdade de prescreverem medicamentos e requisitarem exames de forma comparticipada pelo
SNS.

2. Aquela faculdade é para uso próprio no seguimento dos seus doentes. Não cabe no seu papel a transcrição de exames. Esta não é uma competência técnica. Apenas um abuso de terceiros de uma faculdade que dispõem.

3. Os pedidos de transcrição é o último resquício que ainda resta dos tempos da "caixa" sobre a qual se ergueram infelizmente os CSPs.

4. Todos aqueles que sempre usaram o MF para transcrever nunca se lembraram de reclamar, de forma efetiva, o direito de eles próprios poderem prescrever diretamente de forma comparticipada.

5. E se os privados não dispõem daquela faculdade é porque o legislador não quis. É com o Legislador que se têm de entender os médicos que fazem medicina privada (e a Ordem) e os seus doentes.

6. Se a faculdade da requisição comparticipada é uma necessidade fundamental ao livre exercício da Medicina então em vez de considerar a transcrição um dever dos Médicos de Família, como agora foi feito, aquilo que a Ordem e o seu Bastonário, baseados nos seus deveres e competências, devia fazer era encetar uma luta para que todos os médicos tivessem a faculdade de prescrever de forma comparticipada.

7. A Transcrição não é uma questão de dimensão médica. Não se trata de recusar um cuidado médico. É apenas uma questão financeira. O que está em causa não é o acesso a um exame mas sim sobre o seu pagamento. E cabe ao legislador è à tutela o poder, democraticamente concedido, de definir as regras do jogo tendo em conta o supremo interesse dos cidadãos, em todas as suas vertentes. E aquilo que o decisor político decidiu foi exatamente dar prioridade às questões financeiras e poupar assim algum dinheiro.

8.Aquilo a que se assiste no despacho é a uma proibição dos Hospitais prescreverem exames para fora (até com o aplauso do Bastonário) e em simultâneo a proibição expressa dos Médicos de Família transcreverem pedidos dos Médicos dos Hospitais e da Medicina Privada. Não tendo como vimos acima dimensão médica este despacho é "uma ordem" que os médicos enquanto
enquadrados pelas leis da Função Pública têm de cumprir.

9. Posto tudo isto é preciso saber :
a) Cabe ao Médico de Família o seguimento continuado dos seus utentes visando a manutenção do seu estado de saúde e o diagnóstico e tratamento em caso de doença;
b) Cabe ao Medico de Família requisitar todos os exames que considere necessários;
c) Pode haver coincidência entre aquilo que ele assume como necessário e o que lhe pedem para transcrever.

10. Será preciso bom senso porque o cumprimento escrupuloso da lei levará a uma tensão tal que a implodirá, tornando-a ineficaz. O uso ( agora necessariamente de forma devidamente fundamentada e registada no processo clínico) da alínea c do ponto 9, como válvula de escape, é uma das condições necessárias para o seu sucesso.

11. Mas cabe à ordem questionar muito seriamente o Ministério o que se faz aos doentes para os quais os Hospitais não têm capacidade de resposta enquanto não estiver montado o esquema alternativo previsto no despacho de subcontratarem os exames ao sector privado. Aceitar e defender que os MF devem transcrever os pedidos dos Hospitais é o pior que a Ordem pode fazer. Por um lado torna ineficaz o despacho e por outro aumenta o papel transcritor do MF.

12. Tem sentido que os Médicos privados não tenham acesso à requisição de
MCDTs comparticipados? Sim e não.
a)  Em termos de direitos ao acesso à saúde e à liberdade de praticar medicina , claro que sim, A escolha de um privado é por enquanto um direito. E o exercício desse direito não deve coartar o direito à comparticipação nos exames para esclarecimento da situação clínica. Também o legislador não pode considerar que o Médico Privado prescreve de forma ineficiente e o Médico
Público de forma eficiente. Por outro lado, o recurso aos privados alivia a pressão da procura no SNS e os gastos públicos.
b) A questão porque "Não" tem a haver com duas razões:
- Uma de Ordem Económica. - Se os exames prescritos pela privada passassem a ser todos comparticipados pelo SNS, toda fatia dos MCDTs que é hoje suportada pelos Seguros ou pelo bolso dos privados passava para encargo do SNS., implodindo de vez as suas finanças.
- Outra de natureza de Equidade Social- Seria um estímulo para que as pessoas saudáveis e com dinheiro deixassem de ser clientes do SNS, deixando este para as pessoas sem recursos e logo sem capacidade reivindicativa. Seria passar de um SNS para todos, tendo como padrão a satisfação da classe média para um SNS assistencialista e consequentemente mais degradado .

13. A solução passa por encontrar um sistema que estimule e possibilite a competição entre o sector público e o privado. Mas isso já é outra conversa. Mas não menos importante.
António Alvim, Médico de Família

Sem comentários:

Enviar um comentário

Comente, partilhe, participe activamente neste blogue :)